O centrão de Varginha se um dia tiver por meta virar atração turística com relevante poder de sedução, basta reeditar seus dias de charme e glória.
É só voltar a ser exatamente como era nos tempos esplendorosos do Cine Rio Branco, quando havia o picolé do Milém, o Manuel pipoqueiro em frente ao Rex, o próprio cine Rex, a legendária churrascaria Gambi, os glamourosos Bar Itália, Bar do Clube, Bar Capitólio, do Benedito Fernandes, figuraça!, bar que mantinha, ao fundo, amplo salão com mesas de sinuca, servia o melhor cafezinho e o melhor misto quente da cidade e fechava às 2 da manhã…
E havia o bar do João Dias, o bar do Baptista, o restaurante Bagdad, do Euzébio, comida caseira com o aliciante tempero da esposa, dona Geraldina, bem distante dessa mesmice que virou a tal comida por quilo…
Havia uma saudável profusão de engraxates em volta dos bancos da praça, sempre solícitos, alegres, bem educados, que deixavam os sapatos brilhando.
Havia a Papelaria Lulu, da família Campos, que vendia de tudo para os alunos das escolas, inclusive brinquedos, e emprestava sua visibilíssima vitrine à exibição de taças e troféus com que seriam laureados os vitoriosos em torneios de futebol, desfiles de escolas de samba, concursos de miss e até campeonatos de trovas.
Havia a revistaria e banca de jornais do calabrês Victorio Di Blasi, havia a Foto Rio Branco, do Homero, para casamentos e retratinhos 3×4; havia a loja ‘A Infantil’, do meu primo Antônio Pinto, referência e qualidade irrepreensível em roupinhas para crianças.
Popular e simpática, a Casa Maracanã, do extrovertido pernambucano José Ribamar Soares, vendia tecidos a um precinho que dava gosto e falava a língua do povão, que muito se identificava com a mercadoria, bem a seu gosto, ou com o desfile da espalhafatosa bonecona Marcianita, em dias de queima de estoque.
Na Bicicletaria Rex do Toniquinho Mitidieri, podia-se alugar bicicleta para passeios ou pequenos serviços.
E havia a Charutaria Londres, que além do repertório nacional, proporcionava à distinta freguesia acesso aos melhores cigarros americanos. Havia a Boutique Joia, das irmãs Nícia e Nívea de Souza, ideal para quem quisesse presentear com requinte. O mesmo na importadora do Athayde… Isso me lembra o delicioso sanduíche tipo americano: presunto, queijo, ovo, tomate e alface no pão de forma cortado em fatia dupla – que o Athayde fazia no Lanches Apple, estabelecimento que existe até hoje, ainda que pouco parecido com o que foi. Apple atingiu o ápice do ápice, quando, ao assumir o comando nos anos 70, Haroldo Naves vendia os melhores salgadinhos que já comi em minha vida, feitos por sua esposa, dona Maria.
E havia a Churrascaria Varginha, chope perfeito. Cadê o chope em Varginha, o gato bebeu? Tinha chope cremoso e geladíssimo no Pigalle da dona Rosina Monteiro, no Barril, na Skina, no Choppão do Sélvio Souza Pinto, na boate Pop’s, no Chopp Center, no bar do Panamá, na Campagnola, na boate MiniDrink do Mauro Teixeira. E hoje? Saudade líquida do chope de Varginha, com especial destaque à cerveja magicamente fria do Zé Cougo.
No começo dos anos anos 70, abaixo do Rio Branco, desembarcaram do nada os primeiros chineses em Varginha com uma pastelaria de nome nada oriental: Lanches House. Trouxeram a limonada suiça, até então desconhecida por aqui, e pasteis de carne, queijo e palmito, que nunca foram lá essas coisas, mas, era jogo rápido, prático, em uma época em que nem se sonhava com a expressão fast food.
Virando à esquerda, na Deputado Ribeiro de Rezende, dava-se de cara com o Marabá e sua inesquecível vitamina de abacate. Em frente ao Rio Branco, o restaurante Cê Que Sabe, do Dié. Pouco acima, à direita de quem sobe, a delicatessen Kopenhagen, da Kátia Frota. Quase na esquina com a São Jose, a padaria do Hans Dieter Hegermann e a esposa Moema, pães e doces de primeira.
E havia a petisqueira Cinelândia, do Watson na travessa Monsenhor Leônidas, que oferecia coxinhas, empadinhas, o melhor frango assado e o verdadeiríssimo cigarrete, sabor inigualável, infinitamente superior à gororoba frita de massa excessiva e uma miséria de queijo e presunto, que se faz hoje em dia, por toda parte.
Ainda na Monsenhor Leônidas, pouco anos depois, haveria O Beco (do Ronaldo Paiva e do Nivaldo, uma espécie de american bar, que eventualmente proporcionava uma sopa disputadíssima, na bica da madrugada, em noites de inverno, com o pão insuperável do Aloysio, quentinho, recém-saído da padaria Brasília, por encomenda especial.
Todo esse exuberante comércio – acreditem os mais novos -, gravitou, nos anos 50, 60, 70, 80, 90 em torno do cine Rio Branco, considerado o segundo melhor cinema do país. Para mim, o melhor, já que jamais conheci o primeiro.
E havia sobretudo, no sábado e domingo, o fascínio do footing, o bruxedo da perspectiva de amor. Subia-se até a fonte luminosa e descia-se com o coração aquecido de esperança. Ia-se dormir com o amargo sabor do amor desfeito ou a comemoração do amor refeito, ansiando pela plenitude do amor perfeito; mas, fosse como fosse, sempre com o coração abarrotado de paixão e esperança, até sábado que vem.
Apaixonante época, rica em leveza, delicadeza, graça, elegância, sonho, alegria, em que a vida noturna da avenida ia até 10 e meia da noite, horário sincronizado com o término da sessão diária de cinema.
Hoje, tudo por ali, parece dormir com as galinhas.
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