O jornalista corre atrás da notícia. O cronista está sentado na rodoviária, só esperando, de repente o texto chega, de camisa do flamengo, cambaleando e aponta:
— Ô, meu amigo…
A crônica da semana já estava publicada e eu não sou de fazer nada com antecedência, mas a vida tem desses desencontros.
Só não foi tão simples como você poderia imaginar. Os dias de hoje são mesmo um porre. Nem bêbado se faz mais como antigamente e eu não sou meio novo ainda pra toda hora ter que fazer reminiscências?
Ofereci minha Coca, não aceitou. Sentou do meu lado e apresentou as retóricas:
— Que que adianta ter um milhão e não ter um amigo nenhum?
E repetiu, repetiu. Chato. Sem variação.
(Já reparou como anda difícil uma conversa? Futebol mesmo: te desafio a conseguir chegar numa terceira frase sem que alguém inclua um “foi comprado”, “foi vendido”, “foi a Bet”.)
Complicado. Aquele rapaz ali, de camisa do Flamengo, com o time na disputa do Brasileirão e da Libertadores como não acontece desde… desde 2019 mesmo, mas enfim… e tudo que ele — com a liberdade que o álcool dá aos pensamentos — conseguia me dizer era:
— Não adianta nada ter um milhão e não ter amigo, cara…
Por sorte o ônibus não tardou.
Na estrada lembrei de um outro senhor. Deve ser 1999, por aí. Passava lá na lanchonete no fim da tarde. Chato também, como todo bom bêbado, mas de repertório variado pelo menos. Citava a Bíblia. No dia mais inspirado fez chover. Literalmente. Apontou pro céu com o guarda-chuva, deu a ordem e veio uma tempestade. Teatral e acompanhada de uma boa sonoplastia com trovões e tudo o mais. Outros tempos.
A lembrança me veio com uma trilha sonora tocando Carmen Suite No. 2: II. Habanera, mas depois eu desci do ônibus cantarolando:
— Eu quero ter um milhão de amigos…
Um milhão. De amigos. O Roberto Carlos já tinha resolvido essa equação há muito tempo. Só faltam amigos generosos assim.
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