Aqueles que acompanham os noticários da mídia, há algum, assistiram estarrecidos a maldade da administração paulista, de colocar pedras sob dois viadutos de São Paulo, visando afastar moradores de rua desses locais. Não se pensou em políticas sociais adequadas para a solução do problema. Mais fácil colocar pedras, para que os pobres coitados não possam dormir, nem fugir das intempéries do tempo. Padre Júlio, considerado paladino dos desemparados, mostrou bravura ao tomar de uma marreta e retirar as pedras fincadas sob o viaduto Dom Luciano Mendes de Almeida. Sua face transparecia indignação e firmeza de atitude. Dois dias depois, colocou flores no lugar das pedras.
A prefeitura, a posteriori, retirou as demais. O que se passa na cabeça de nossos representantes? Do alto do planalto central aos mais de 5.570 municípios, gestores parecem insanos, insensíveis à dor e morte do próximo-governado por eles. Será que colocar pedras esconderá as mazelas sociais? Não as vemos, portanto durmamos tranquilos, no conforto de nossos lares. Foi esta a mensagem do Padre Júlio. Não é escondendo os problemas de falta de moradia, atendimento às necessidades mais prementes do ser humano, que eles se resolverão.
Por volta de fins dos anos 70, quando colaborava com o jornal O São Paulo, conheci padre Júlio, que atendia desvalidos da Praça da Sé à periferia da zona leste. Sempre corajoso e firme na defesa dos sem vez e sem voz. A exemplo de Dom Hélder Câmara e dom Pedro Casaldáliga, ele emanava luz. Conversa precisa, objetiva, calmo em seus gestos, despertava admiração dos que com ele convivia. Sempre denunciando as injustiças sociais à frente da Pastoral do Povo de Rua. Com esse gesto intrépido de protesto, Padre Júlio tornou-se, mais uma vez, figura expressiva e exemplar para todos nós brasileiros.
Na grande maioria das cidades tem crescido sobremaneira o de indivíduos sem moradia. E a pandemia, aliada à inoperância e tibieza do governo acirrou o problema. Para se ter ideia, dados de 2021 apontam 34 milhões de pessoas no Brasil, sem moradia e sem acesso a saneamento básico(ou seja 49,2% de todas as casas brasileiras) e mais de 25 milhões não têm onde morar. Em São Paulo, maior cidade do País, 2015 a 2019, o aum ento desta fatia populacional na capital paulista foi de 60%, segundo pesquisa do Censo da População em Situação de Rua. Dos 24.344 sem teto, 70% são negros. A exclusão, decorrente da pobreza, é uma chaga que carregamos, embora teimemos em ignorá-la. Nestes tempos pandêmicos, em que buscamos segurança e saúde, urge cobrarmos de nossos representantes políticas públicas concretas e fazermos a nossa parte, imbuídos de solidariedade, a exemplo do padre Lancelotti, já citado como merecedor do Nobel da Paz e de tantas outras almas benevolentes e repletas de compaixão.
Vanilda Souza Marques
Jornalista e ambientalista, integra o Movimento pela Paz e Não Violência
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