Me lembro com muita alegria do saudoso “quarteirão cultural” de Varginha: descendo o imponente “Cine Rio Branco”, pela travessa Monsenhor Leônidas, nos encantávamos com a “Livraria do Estudante” do Sr. Zé Ricardo. Ao chegarmos em frente ao magnífico “Teatro Capitólio” podíamos virar à direita para conferir os lançamentos fonográficos no “Totti” e no “Bob’s”, ou à esquerda para a “Jovem Discos”. Quantas boas lembranças!
Pois o texto de hoje envolve uma cena que presenciei na querida Livraria do Estudante, onde eu sempre ia verificar com o Jeremias os lançamentos de livros sobre música. Era comum ficarmos naquela expectativa se o dinheiro seria suficiente, enquanto ele verificava no computador (com aqueles modernos códigos etiquetados na primeira página) o valor do livro.
Pois uma vez, enquanto eu estava olhando alguns cds que o Sr. Zé Ricardo começara a vender, se aproximou um freguês e, percebendo que eu “namorava” uma gravação da “Quinta Sinfonia” de Mahler, me disse: “Esse tipo de música é para ouvirmos no quarto, fechando todo o ambiente. Ligar o som no volume máximo e entrarmos de cabeça na música”. Não me lembro quem era aquela pessoa, mas o que ele disse me marcou.
Um dos pontos altos da carreira de um músico de orquestra é tocar uma Sinfonia de Gustav Mahler. A experiência pessoal é indescritível. Sua música nos envolve em um universo onde os extremos emocionais são exaltados. Mahler faz parte de uma geração de compositores do final do Romantismo (assim como Richard Strauss), contemporâneo de Freud (chegou a consultar com ele), autor de músicas com uma altíssima carga emocional, carregadas psicologicamente.
Convido o leitor a escutar, por exemplo, o último movimento da sua primeira Sinfonia para entender minha afirmação. Excelente orquestrador (também era um destacado regente), sabe manusear os contrastes, efeitos e dinâmicas de uma grande orquestra: ao mesmo tempo que usa um fortíssimo ensurdecedor, contrapõe um delicado pianíssimo em todo corpo orquestral.
Me parece que a alcunha de maníaco-depressivo a ele atribuída é transposta à sua obra. É música que nos faz tremer! Sua Oitava Sinfonia recebe o apelido de “Sinfonia dos mil”, por usar um numeroso corpo de instrumentistas para interpretá-la. O Adagietto da Quinta Sinfonia é uma das páginas mais sensíveis de toda história da música (se não me engano, foi usada como tema final de uma novela de sucesso).
Caro leitor, toda vez que tenho o privilégio de, como músico de orquestra, tocar uma sinfonia de Mahler, me lembro daquele freguês que entrou na Livraria do Estudante e me falou sobre como escutá-lo. Da mesma forma, gostaria de convidá-los a apreciar a música desse gigante da arte ocidental!
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