“Foi quando desligou o liquidificador que a Doralice percebeu que o telefone estava tocando. Ainda serviu um copo de vitamina, cheia de pressa, antes de atender. Mal sabia que estava prestes a ganhar, inteiramente grátis, um outdoor!
– Um o quê?
– Um ‘áu’dór’! – pronunciou claramente a voz do lado de lá.
– E que é isso, moço? É de comer?
– Não, querida! Sabe aquelas placas grandes de propaganda que fic…
– Mas onde é que eu vou colocar um trambolho desse, meu senhor?
Muito obrigado, mas…
Aí o moço explicou que ela havia ganho 15 dias de divulgação inteiramente grátis, no melhor ponto da cidade. Poderia anunciar o que quisesse! “Como assim?” Qualquer coisa mesmo: uma venda, um convite, uma confissão pública, uma declaração de amor, o aluguel do marido nos finais de semana…
– Até palavrão?
– Mas por que você quer que todo mundo veja um palavrão, menina?!
– Não quero, não, moço. Era só para saber se podia…
E agendaram uma visita no dia seguinte para definir como seria. Tem cada promoção doida neste mundo.
A Doralice nem tocou no copo de vitamina. Passou o resto da tarde na janela, pensando no que tinha a dizer para todo mundo que passasse lá na Rua Principal. Sem dúvida nenhuma, o marido pediria o divórcio se ela ousasse algum recado público e ela também nunca gostou que sua privacidade invadisse a vida das pessoas. Pensou em aproveitar para vender o dvd velho ou alugar a garagem. Quis até anunciar seus serviços de manicure e pedicure, mas ainda acha que deve praticar mais com a irmã caçula antes de cobrar dos outros.
Quando a vizinha de frente chegou na janela, a Doralice perguntou se tinha alguma novidade…
– Menina, nem te conto, sabe a filha do Seu Nicolau? Aquela do cabelo acaju…
E a Bernadete falou por mais de meia hora sobre o bairro todo. Mas nada que tenha despertado muito a atenção dela.
No fim da tarde, a Doralice já sabia tudo o que não queria dizer para todo mundo. Nada a negociar. Nenhum segredo que precisasse ser revelado. Nenhuma grande causa para defender. Por fim, deu uma vontade danada de dizer uma coisa bacana, que ensinasse às pessoas qualquer coisa de útil, mas quem seria ela para uma ousadia dessas?
Na semana seguinte, porém, o marido chegou em casa contando sobre uma frase curiosa que viu num outdoor lá no centro: “Tem gente que diz que é preciso rir. Tem gente que conta piada.”